A História acontece como tragédia e se repete enquanto farsa. Karl Marx. 18 brumário

terça-feira, 4 de agosto de 2009

DOWNLOAD: catecismo

A INGÊNUA PORNOGRAFIA DE CARLOS ZÉFIRO
http://d06.easy-share.com/file_contents/file/id/1700040115/skey/xrvyaus2r2qjmdbn/cont_id/36

Fotografia ilustrativa
O desenho ultra-realista de Zéfiro
Cascavilhando em minhas gavetas, outro dia, encontrei uma preciosidade: três revistinhas em quadrinhos de Carlos Zéfiro, o cultuado autor dos famosos “catecismos” das décadas de 40, 50 e início de 60 do Novecentos.
Esses quadrinhos pornográficos eram uma espécie de iniciação sexual clandestina dos adolescentes (como eu, nos anos 50), numa época de intensa repressão da libido e forte hipocrisia social.
São altamente representativos das mudanças sociais, culturais e morais ao longo dos últimos 60 anos, quando o Brasil deixou de ser a tal “nação eminentemente agrícola” (ora, vejam só como introjetamos um papel a nós destinado pelas grandes potências, interessadas no monopólio da industrialização), de população majoritariamente rural, para ser o atual caos urbano.
Nesse processo, perdemos a inocência (pensem nas marchinhas de carnaval, como “Tem nego bebo aí”, em comparação com as letras da fuleiragem-music de hoje, na classificação do crítico José Teles).
Aliás, é justamente nesses ambientes de inocência alienada que proliferam com mais força todas as formas de pornografia.
O império de Zéfiro, portanto, esplendia num meio pré-revolução sexual-comportamental, em que a virgindade, por exemplo, tinha um valor de mercado incomensurável hoje (na era da camisinha, do anticoncepcional, da gravidez de adolescentes, do sexo experimentado pelas meninas a partir de 13, 14 anos). Então, o hímen (essa película mais ou menos resistente) era depositário da honra feminina e quantas moças, por esse Brasilzão afora, não foi expulsa de casa por pais rígidos, as mais afortunadas ingressas à força nos conventos católicos, as mais infelizes (ou felizes?) procurando abrigo e sobrevivência nos prostíbulos de lâmpada vermelha na fachada, tão presentes nas cidades brasileiras quanto as torres das igrejas católicas.
Os meninos se iniciavam sexualmente em suas próprias casas, com as empregadas domésticas residentes, resquício até hoje não apagado da escravidão institucional, explicitado nas famigeradas senzalas contemporâneas, eufemisticamente denominadas dependências de empregada e, depois, nas zonas (de meretrício, diziam os mais empolados).
Nesse universo sufocante, em que era impensável transar com a própria namorada, as revistinhas de Carlos Zéfiro circulavam aos milhões, entre adolescentes de caras espinhentas e mãos calejadas.
O que diferenciava Zéfiro, dono de um desenho ultra-realista de mulheres opulentas (até nisso mudaram os tempos), era que suas histórias de certa forma ingênuas (próprias para incutir nas cabeças carentes, e não só dos adolescentes, a idéia de que todos poderíamos comer mulheres lindas, gostosas e lascivas), tinham, suas histórias, um rudimento de enredo. Eram explícitas, mas até “chegar lá”, percorria-se um caminho não tão longo, é verdade, pois nossa impaciência não aceitava excessivos circunlóquios. (Uma das revistinhas que guardei tratava de um entrevistador do IBGE chamado Homero que ia de casa em casa e terminava papando todas as entrevistadas.)
O próprio apelido das revistas – catecismos – revelava, de uma forma irônica, seu caráter transgressor. E Carlos Zéfiro era um mistério nacional.
Carlos Zéfiro era o pseudônimo do carioca Alcides Aguiar Caminha (1921-1992), funcionário do Ministério do Trabalho, e compositor bissexto (parceiro de ninguém menos que Nelson Cavaquinho em composições como “Notícia”, “Capital do Samba” e a obra-prima, também assinada por Guilherme de Brito, “A Flor e o Espinho”, iniciada pelos versos “Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”, na opinião de Sérgio Porto/Stanislau Ponte Preta dos mais bonitos já escritos em nossa língua).
Durante décadas, Caminha escondeu até de sua família seu alter ego pornográfico, inspirado em um autor mexicano de novelas edulcoradas. Mas, num célebre episódio, em que o jornalista Eduardo Barbosa, conhecido de Caminha, em séria enrascada financeira, tentou passar-se por Zéfiro, pedindo 25 mil dólares para dar uma entrevista bombástica. Um jornal carioca embarcou nessa, mas célebre reportagem de Juca Kfouri, na revista Playboy, em 1991, desmascarou o farsante e revelou o segredo de três décadas.
Caminha tinha então 70 anos, vivia modestamente (confessou não ter ganho muito dinheiro nem com os mais de 500 títulos de revistinhas publicados até na Argentina e Uruguai, muito menos, claro, com as imitações que pipocavam por aí, precursoras da pirataria atual, nem com suas músicas).
Virou instantaneamente uma celebridade,concedendo dezenas de outras entrevistas e sendo homenageado por eventos ligados ao mundos quadrinhos.
Alcides Aguiar Caminha pouco gozou da glória, pois morreu em julho de 1992, menos de 10 meses após a revelação da identidade de Carlos Zéfiro. E tornou-se cultuado, objeto de estudos e do resgate de sua memória. Exemplo são os sites em seu louvor na internet, com abundantes informações, e a reedição de sua obra, a partir de 2005, por uma mulher (ele consideraria isso, antes, inimaginável), Adda Di Guimarães, dona da simpática Banca A Cena Muda, especialista em velhas revistas, na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, Rio.
Sobre Zéfiro em detalhes, veja:
“Entre Bíblias e Catecismos”, por Romeu Martins, São José (SC), de 8/6/2006, no site www.marcadiabo.com
“O Fim de 30 Anos de Mistérios”, por Juca Kfouri, revista Playboy, nº 196, de novembro/1991.
E especialmente o site Ludmira, do chargista paulista Vlad Camargo, que contém exemplares das revistinhas, biografias, entrevistas, desenhos etc, no endereço:
http://www.ludmira.hpg.ig.com.br/galeriazefiro/ZefiroP01.htm